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“Ser processado por figuras da direita é um privilégio.”
A frase, dita pelo ator José de Abreu, pode soar absurda à primeira vista — quem, afinal, considera um processo judicial um sinal de sorte? Mas, quando observamos o contexto político e a trajetória do ator, essa declaração ganha camadas de significado que merecem uma análise mais cuidadosa.
Quando o ataque vira troféu
José de Abreu é conhecido tanto por seus papéis na televisão quanto por sua postura aguerrida nas redes sociais. Ativista de esquerda declarado, ele não foge de confrontos com figuras públicas da direita, frequentemente se posicionando com veemência sobre questões políticas, sociais e culturais. Isso, claro, o torna alvo constante de processos judiciais movidos por seus opositores.
Mas ao chamar esse fato de “privilégio”, Abreu adota uma estratégia retórica curiosa: ele inverte a lógica da acusação e transforma a perseguição em símbolo de relevância política. É como se dissesse: “Se estou incomodando, é porque estou fazendo diferença”.
A construção do personagem político
Não é de hoje que figuras públicas utilizam processos judiciais para reforçar sua imagem de resistência. No caso de José de Abreu, essa postura o alinha com a figura do “intelectual engajado”, alguém que, mesmo sob ataque, se mantém firme em seus posicionamentos.
Essa retórica o aproxima de uma narrativa já conhecida no campo político: a de que a justiça, muitas vezes, se transforma em instrumento de silenciamento ideológico. Assim, ao ser processado, ele não se vitimiza, mas se fortalece — ou pelo menos é essa a imagem que constrói.
A retórica como arma (e escudo)
Há, no entanto, um ponto delicado nessa equação. Ao se declarar “privilegiado” por ser processado, Abreu corre o risco de banalizar o peso dos processos judiciais, sobretudo num país onde a maioria das pessoas não tem acesso aos mesmos recursos jurídicos ou à visibilidade de uma celebridade.
Para muitos brasileiros, ser processado não é símbolo de resistência, mas o começo de um pesadelo jurídico e financeiro. O discurso do privilégio pode, portanto, soar elitista e distante da realidade da maioria — ainda que a intenção seja, justamente, a de desafiar um sistema que silencia.
Entre palco e tribunal: o ativismo como performance
José de Abreu transita entre o teatro e o Twitter com a mesma intensidade. Sua atuação política é, em grande medida, performática — e não no sentido negativo da palavra, mas como um exercício consciente de ocupar o espaço público e provocar reflexões.
Neste cenário de polarização extrema, o ator se transforma em um símbolo: para uns, herói da resistência; para outros, exemplo do exagero progressista. Mas o fato é que sua figura alimenta o debate, e sua retórica — inclusive a do “privilégio” — coloca em xeque os limites entre justiça, discurso e poder.
Para além da frase de efeito
Mais do que tentar descobrir se José de Abreu está certo ou errado, a pergunta mais interessante talvez seja: o que sua fala revela sobre o Brasil de hoje?
Vivemos tempos em que o discurso político molda percepções, redefine valores e, não raramente, transforma o tribunal em palco. Nesse contexto, o “privilégio” de ser processado pode ser lido menos como vantagem pessoal e mais como um termômetro do embate ideológico que move o país.