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Trisal consegue reconhecer união estável na Justiça de SP apesar de veto do CNJ

Uma decisão inédita do Tribunal de Justiça de São Paulo chamou atenção ao reconhecer oficialmente a união estável entre três homens que vivem juntos em Bauru, no interior do estado. O caso foi julgado pela juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, que validou judicialmente o contrato de convivência firmado por Charles Trevisan, Diego Trevisan e Kaio Alexandre dos Santos. Embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proíba, desde 2018, o registro em cartório de uniões poliafetivas, a justiça entendeu que não há uma proibição legal expressa para esse tipo de vínculo.

Entenda o caso: como começou a união poliafetiva

Tudo começou em dezembro de 2024, quando Charles, autônomo e formado em Direito, decidiu formalizar sua relação com Diego e Kaio por meio de um contrato particular. O documento foi autenticado no cartório de Registro de Títulos e Documentos da cidade. Segundo ele, a ideia era garantir proteção legal, mesmo diante da ausência de um respaldo oficial para esse tipo de união.

Charles e Diego já eram casados há quatro anos. Em 2023, Charles conheceu Kaio pelas redes sociais. A conexão entre os três evoluiu de forma consensual. “Mesmo já casado, me apaixonei por Kaio, e decidimos incluir ele no nosso relacionamento. Foi natural”, contou Charles em entrevista ao portal g1. Quando Kaio completou 18 anos, os três decidiram registrar formalmente a união.

Proibição do CNJ não impede reconhecimento judicial

Apesar da decisão do CNJ que veta o registro de uniões poliafetivas em cartórios, não há uma lei que proíba expressamente esse tipo de relação. Com base nisso, a juíza Rossana Mergulhão decidiu validar judicialmente o contrato particular assinado pelos três homens. A magistrada argumentou que, em relações privadas, “é permitido tudo aquilo que não é expressamente proibido pela legislação”.

Essa interpretação permitiu que a Justiça reconhecesse o vínculo sem que ele fosse registrado como um casamento ou uma união estável nos moldes tradicionais. Embora o contrato não tenha os mesmos efeitos legais de um casamento civil, ele tem valor entre as partes e pode servir para provar convivência, intenção de formar família e até questões patrimoniais.

Pressão do cartório e tentativa de anulação

Após a autenticação do contrato no cartório de Títulos e Documentos, o oficial responsável contestou a legalidade do ato. Ele chegou a solicitar a anulação do documento, alegando ausência de previsão legal e possíveis infrações administrativas. Como consequência, a funcionária que reconheceu firma no contrato recebeu uma advertência formal, e o caso foi enviado ao Ministério Público, que também opinou pela anulação.

O trisal, no entanto, recorreu à Justiça, alegando que o contrato deveria ser considerado válido. A defesa foi embasada no direito à liberdade privada e no fato de que relações afetivas múltiplas não estão proibidas pela legislação brasileira. A juíza acatou os argumentos e determinou a validação do documento, mesmo com a resistência institucional.

O impacto da decisão e o debate sobre poliamor

A decisão abre espaço para um debate mais amplo sobre formas alternativas de família no Brasil. Embora não exista uma regulamentação específica para uniões poliafetivas, o reconhecimento judicial de vínculos como o de Charles, Diego e Kaio pode criar precedentes para outros casos semelhantes.

Além disso, esse tipo de contrato pode ser utilizado para resguardar direitos como herança, plano de saúde, pensão ou até guarda compartilhada de filhos, caso o grupo decida ter crianças. Vale lembrar que contratos particulares registrados em cartórios de Títulos e Documentos têm validade entre as partes, mas não substituem o casamento civil nem têm os mesmos efeitos perante o Estado.

“A sociedade ainda julga muito”, diz Charles

Mesmo com a vitória na Justiça, Charles admite que viver em um trisal ainda é um desafio social. “A sociedade recrimina muito e essa decisão ajuda a combater esse preconceito. Amar mais de uma pessoa pode parecer estranho para alguns, mas é muito verdadeiro para mim”, afirmou.

Ele ainda relata que já enfrentou discriminação até dentro da própria área jurídica. “Como sou formado em Direito, sabia que existiam brechas legais. Mas foi difícil lidar com a resistência institucional, inclusive com a punição da escrevente que só fez o trabalho dela”, desabafa.

Conclusão: novas formas de amar, novos caminhos legais

O reconhecimento da união poliafetiva em Bauru mostra que o Judiciário brasileiro, ainda que timidamente, começa a se adaptar às mudanças na estrutura familiar contemporânea. Embora ainda não exista uma regulamentação definitiva para esses vínculos, o caso representa um passo importante na luta por direitos iguais para todos os tipos de amor — inclusive aqueles que fogem do padrão tradicional.

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