Em meio a taxação: Lula chora ao saber q… Ver mais

O auditório em Brasília estava lotado, mas o silêncio foi absoluto por um breve instante. Foi quando Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, interrompeu seu discurso e, com a voz embargada, começou a chorar. Emocionado ao relembrar a fome que volta a assombrar o país, Lula arrancou aplausos de pé de parlamentares e aliados ao reafirmar que a erradicação da fome será sua “prioridade zero” no novo mandato.
“Se quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro estiver tomando café, almoçando e jantando, eu terei cumprido a missão da minha vida”, declarou, em um momento que transcendeu a política e se tornou símbolo de uma promessa humanitária.
O encontro com parlamentares de partidos aliados, realizado nesta quinta-feira (10), foi marcado por emoção, críticas à política econômica vigente e um discurso firme sobre a reconstrução do Brasil. Lula, visivelmente comovido, relembrou os avanços sociais obtidos durante seu primeiro governo e lamentou a regressão de indicadores básicos, como segurança alimentar.
“Eu jamais imaginei que a fome voltaria ao nosso país. Quando deixei a Presidência, sonhava que, dez anos depois, o Brasil estaria próximo dos países mais desenvolvidos”, desabafou, ao lado da futura primeira-dama, Janja, do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
O petista precisou interromper a fala e pegar um lenço das mãos de Janja. Ao se recompor, pediu desculpas ao público — que o aplaudia intensamente — e retomou a fala com um tom mais combativo.
Combate à fome e crítica à austeridade
Ao rememorar seu primeiro mandato, Lula voltou a destacar que a segurança alimentar não é apenas um desafio técnico, mas uma urgência moral. Ele criticou duramente o teto de gastos instituído no governo de Michel Temer e questionou as prioridades da política econômica brasileira.
“Por que as pessoas são levadas a sofrer para garantir a tal da estabilidade fiscal neste país?”, indagou, questionando os pilares da atual gestão orçamentária. “Por que temos meta de inflação, mas não temos meta de crescimento? Por que o povo pobre não está na planilha da macroeconomia?”, provocou, em tom incisivo.
A fala reflete um movimento já esperado: a defesa de maior flexibilidade fiscal para investir em programas sociais. Lula reafirmou que pretende reconstruir o Estado brasileiro com foco nas camadas mais vulneráveis, mesmo que para isso tenha que enfrentar resistência do mercado financeiro e dos setores mais conservadores do Congresso.
Discurso conciliador, mas firme
Apesar das críticas contundentes à política econômica, o discurso também teve espaço para acenos à pacificação nacional. Lula destacou a importância de incluir, no processo de transição e na futura governança, representantes de partidos que foram derrotados nas urnas.
“Os que não venceram também terão o direito de participar da reconstrução do Brasil. O país não pode ser governado com ódio. Precisamos de diálogo, de responsabilidade e, sobretudo, de compromisso com o povo”, afirmou, mirando em uma frente ampla de governabilidade que una forças de esquerda, centro e até da direita moderada.
Presentes no evento, líderes de partidos como MDB, PSD e PSB aplaudiram a fala conciliadora, que reforça a estratégia do novo governo de ampliar pontes e evitar o isolamento político no Congresso. A base aliada já articula, inclusive, nomes para postos estratégicos da transição e da futura administração, numa tentativa de costurar apoio para pautas prioritárias.
Desafios à frente
O tom emocional e engajado do discurso evidencia o tamanho do desafio que Lula terá a partir de janeiro. O Brasil que o presidente eleito encontra hoje é profundamente diferente daquele que ele deixou em 2010. O país vive o retorno da fome — que atinge mais de 33 milhões de brasileiros, segundo a Rede PENSSAN —, além de uma economia fragilizada, aumento da desigualdade e crise ambiental.
A promessa de garantir três refeições diárias a todos os brasileiros não é apenas simbólica: é a espinha dorsal de um projeto de governo que pretende recolocar os pobres no orçamento e o país no caminho do desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Lula, aos 77 anos, parece disposto a repetir, com ainda mais intensidade, a missão que marcou sua primeira eleição: dar voz aos invisíveis. O choro que interrompeu sua fala nesta quinta-feira não foi um sinal de fraqueza, mas sim o reflexo de um compromisso que ele carrega com a alma — e que poderá, mais uma vez, redefinir os rumos do Brasil.